Tarkovsky Polaroids
Quando a visão é surpreendida
Por dois filetes de água
Que rasgam as montanhas
E a linguagem se torna hermética
Já não há como se desvencilhar da influência interior
que se desnuda
E da intensa lucidez desses instantes
Tão pouco racionais
Os olhos marejados pairam na paisagem
estamos indo para o lado sul
Qualquer direção que seja
Os gestos tornam-se excessivos
Qualquer palavra é desnecessária
Mera formalidade
O calor presente
Completa nossa íntima familiaridade
E vamos singrando na direção dos astros
Explorando os campos abertos
Cientes apenas da estrada que prossegue
ao longo do caminho
e se desdobra perseguindo a claridade
Que ao longe vibra e antecipa
a complicada expressão dominical
da costa, fendas, águas-vivas, beleza cristalina e maresia
Que arranca-nos do rosto qualquer
Receio e litígios encapuzados
Pensamos naqueles poemas que não conseguimos evitar de escrever
(transcrever)
sobre os segredos das montanhas que tocam o mar e que
a cada amanhecer tecem em sobressalto o organismo vivo
transmutando-se em mil aparências
Caminhamos na margem utópica do litoral
Perdidos dentro do nosso opaco silêncio
Os olhos cabisbaixos
Ignoramos a linearidade dos hábitos humanos
Certo ou errado
Bom ou mau
Não nos sobrou nada
Só nos resta a ironia
O acaso
Como aquela vez que nos encontramos
Por acaso numa ruazinha ladeada
No lado sul do centro histórico da cidade
e sem motivo renunciamos os versos
tão plenos como inalcançáveis
Os melhores momentos são aqueles
Que nos permitem dizer tanta coisa
Mesmo no silêncio
A perda da nossa faculdade mental
Quando somos pegos por uma solidão esférica
De cores e sabores e contatos esclarecedores
Então sabemos ( diante do tumulto selvagem, tantas vezes recusados
vozes reverberando no ar, alucinações animalesca
músicas que não chegam a nos afetar)
que o nosso amor é sinestésico, que somos cúmplices do mesmo erro estético
Vivemos em mundos paralelos
E não buscamos nenhum tipo de sabedoria
Nem ao sul nem ao norte da mente
Apenas fluímos entre os espaços
E adentramos as florestas que
Vão tomando forma de poemas
Há palavras para serem exploradas
Versos a serem descobertos
Combinações prestes a chegar a consciência, mas que ainda não são pensamentos.
