quinta-feira, 16 de julho de 2020

A ansiosa jornada




Foi um dia 

memorável aquele

quando deixando 

tudo pra trás

caminhamos pela 

estrada de terra





a fumaça apagando o sol


fazendo um céu de meio dia ficar escuro como a noite


trovoadas dividindo o céu


a casinha de madeira que nos olhava ao longe


as nuvens confundindo a mente


seduzidos pelo silêncio


não abandonamos nossa jornada


seguimos o que nosso coração ordenava.

domingo, 5 de abril de 2020

Textos noturnos



Que clareza as ideias têm a noite
Com que força avançam
Se arrastam, sussurram em seu ouvido
Querem ser ouvidas, declaradas, assumidas
Querem fazer uma revolução

Mas se num lapso
São ignoradas, se num abrir de portas
Se espantarem
Com que velocidade vão embora
Com que sensibilidade se escondem
Se camuflam
Na paisagem insignificante
Do quarto





terça-feira, 1 de maio de 2018

Não sou poeta


As vezes me excedo

Não sei que espécie de euforia

Me acompanha

Pego-me mordida

De um contentamento sacro

Sorrindo para as vicissitudes do dia

Logo não reconheço

Minhas inspirações e

Minhas ansiedades subalternas

Às minhas vontades

Não sou poeta


Já não distingo a cor que o céu ganha

No fim da tarde outonal

Do olhar apurado

Sobrou a aflição

De fazer tudo certo e adequado

Não existem mais conflitos

Auxiliados pelos risíveis

Apegos e certezas

Meus amores e adorações

Não ganham culto



Esculpo o dia

Dominada pelos

Sobressaltos de uma alegria

Tardia seguindo

A rota que todos percorrem

Sem pensar, como rebanho

Mostrando no rosto

Um fixo sorriso

Forçado e preciso

A poesia

É um grito distante

Solto no ar

E as variações

Das cores

Servem apenas

Para decorar os lugares

Por onde ando


Já não vejo à minha volta

Meus medos e flagelos

Mas sei-os presente

Eles não ganham forma

Nem rima, métrica

Nem ficam presos

No pincel da melancolia

sexta-feira, 13 de abril de 2018

''UM HOMEM QUE DORME''




 Análise do filme ''Um homem que dorme'' do diretor Bernard Queysanne, baseado no livro homônimo do escritor francês Georges Perec.


O filme acompanha e explora a vida, ou melhor a ausência de vida, a ausência de gestos e vontades que constituem a vida corriqueira, de um rapaz solitário e ausente, que decide abandonar o curso da vida normal, e continua a viver apenas por viver. Em seus monólogos ele reflete sobre a alienação e o deslocamento social, do que todos nos nos tornamos nesses tempos modernos, do que a opressão da vida urbana nos tornou; solitários no meio de um fundo que se define pela multidão de pessoas que quase nunca reparamos ou percebemos, onde nossa presença é apenas um pequeno detalhe no meio de um complexo emaranhado de coisas existentes no mundo. Numa escala de percepção que pode ser analisado como pontos de interesse visual, o diretor traça o perfil detalhadamente da vida cotidiana que o rapaz principal do filme, tem. deslocado da sociedade, isolado do restante do mundo, apenas percebe pequenos detalhes que compõem o seu quarto, que ao todo são; três pares de meias boiadas numa bacia cor de rosa, duas camisas, um cinzeiro,um maço de cigarros marca Gauloises, uma tigela de Nescafé adoçado com leite condensado e açúcar, o livro "Leçons sur la societé industrielle", de Raymond Aron, aberto na página 112, o "Le Monde" , uma caixa de fósforos de 0,20 francos etc. Criando um distanciamento e indiferença que nos faz refletir por alguns instantes sobre a vida que levamos, sobre nosso comportamento, sobre as nossas escolhas. Nos faz buscar respostas para o sentido de tudo isso. E diante da inatingibilidade das respostas sofremos com as angústias deixadas pelas impertinentes indagações. E mais: nos faz perceber que somos apenas mais um no meio da multidão.

Mas mesmo andando por aí sem rumo certo, entrando e saindo de bulevares, com indiferença, mesmo assim, ele dorme, de olhos abertos, alheio a tudo e a todos. Nessa progressiva distância autoimposta o jovem, em um estado de quase inconsciência, se volta para o interior de si mesmo, constituindo um monólogo que o domina incessantemente e o perturba, parece que nada mais faz sentido e somente o silêncio e o vazio do seu quarto, o único refúgio no meio das infinitas coisas existentes, o alivia. Talvez seja porque em seu quarto não exista escolha, e nem é preciso esforço para se adaptar. Ele apenas precisa da repetição do cotidiano, assim, seus gestos tornam-se automáticos, quase alheios; as suas caminhadas pelas ruas da capital francesa, o bife duro que come, os lugares que sempre frequenta, o jornal que lê, o jogo, o preparo do seu nescafé, nada disso não lhe exige esforço nem profundidade. Não precisa de confirmação, de aprovação, nem das esperas que acarretam em ansiedades. Mas mesmo assim ele sente angustiado e segue o fluxo da vida na cidade turística, que em preto e branco parece se aproximar cada vez mais de seu estado de espírito. Sempre presente mas sempre distante ele é apenas um passante disforme que olha sem ver o rosto dos outros passantes e que anseia por solidão e silêncio, já que não o domina a sensação de pertencimento, que é pura ilusão, e por isso se esquiva enquanto se deixa levar, em um estado de torpor, pela multidão nas ruas.


O jovem do filme é aquele que percebe a insignificância dos atos realizados por todos, dos esforços desmedidos que fazemos para nos tornamos ‘’alguém’’ e percebe que nada disso, afinal, vale a pena. Pois sempre continuará sendo um fundo incomunicável, de uma grande figura complexa e impertinente.

sábado, 14 de janeiro de 2017

Viagem ao litoral


Tarkovsky Polaroids 








Quando a visão é surpreendida
Por dois filetes de água
Que rasgam as montanhas
E a linguagem se torna hermética
Já não há como se desvencilhar da influência interior
que se desnuda
E da intensa lucidez desses instantes
Tão pouco racionais
Os olhos marejados pairam na paisagem
estamos indo para o lado sul
Qualquer direção que seja
Os gestos tornam-se excessivos
Qualquer palavra é desnecessária
Mera formalidade
O calor presente
Completa nossa íntima familiaridade
E vamos singrando na direção dos astros
Explorando os campos abertos
Cientes apenas da estrada que prossegue
ao longo do caminho
e se desdobra perseguindo a claridade
Que ao longe vibra e antecipa
a complicada expressão dominical
da costa, fendas, águas-vivas, beleza cristalina e maresia
Que arranca-nos do rosto qualquer
Receio e litígios encapuzados
Pensamos naqueles poemas que não conseguimos evitar de escrever
(transcrever)
sobre os segredos das montanhas que tocam o mar e que
a cada amanhecer tecem em sobressalto o organismo vivo
transmutando-se em mil aparências

Caminhamos na margem utópica do litoral
Perdidos dentro do nosso opaco silêncio
Os olhos cabisbaixos
Ignoramos a linearidade dos hábitos humanos
Certo ou errado
Bom ou mau
Não nos sobrou nada
Só nos resta a ironia
O acaso
Como aquela vez que nos encontramos
Por acaso numa ruazinha ladeada
No lado sul do centro histórico da cidade
e sem motivo renunciamos os versos
tão plenos como inalcançáveis 

Os melhores momentos são aqueles
Que nos permitem dizer tanta coisa
Mesmo no silêncio
A perda da nossa faculdade mental
Quando somos pegos por uma solidão esférica
De cores e sabores e contatos esclarecedores
Então sabemos ( diante do tumulto selvagem, tantas vezes recusados
vozes reverberando no ar, alucinações animalesca
músicas que não chegam a nos afetar)
que o nosso amor é sinestésico, que somos cúmplices do mesmo erro estético
Vivemos em mundos paralelos
E não buscamos nenhum tipo de sabedoria
Nem ao sul nem ao norte da mente
Apenas fluímos entre os espaços
E adentramos as florestas que
Vão tomando forma de poemas
Há palavras para serem exploradas
Versos a serem descobertos
Combinações prestes a chegar a consciência, mas que ainda não são pensamentos.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

ESTADOS DE ESPÍRITO

À sombra de um poema ruim
escrevo sobre as dores do amor
guiada pelos olhos embriagados
sussurro desaforos
dito palavras odiosas
que no papel se tornam fumaças
onde costumava haver luzes e correria
vejo agora sombras e desespero
os olhos que vagam no nada
antecedem o abismo
um apelo lamurioso a humanidade 
silhuetas afetadas, pessoas indo e vindo
dias nublados 
ou ensolarados
mudam meus estados de espírito
que oscilam como ondas do mar
com igual destino
o trem do sossego vem vindo
e quando ele chegar fecharei os olhos
e  delirante
seguirei seu caminho.



Melancholy, Edvard Munch


terça-feira, 16 de agosto de 2016

Vento forte no parque



                         
O vento forte no parque
O cheiro da recente alegria ainda estendida
Lama e restos por toda a parte
Desconstrói tudo que foi presenciado 
em um instante passado

Antes da chuva       
Antes do vento
Antes da lama

                                      

Caos e solidão no asfalto
Concretismo da minha tristeza velada
Junto ao ar raro
Junto ao paradoxo articulado
Junto as nuvens pesadas

O parque o vento e a chuva variante
força contrária do riso solto e 
das brincadeiras exploradas algumas horas passadas
Confunde todas as minhas pegadas


O efeito da tempestade então se consome
Numa tarde de sono e outono
e silêncio vivo

O vulto das crianças dispersas
A amarelinha desmanchada
O gato na árvore

Representam a imensa vontade de 

andar devagar
Se arrastar na lama
Na chuva no vento
No parque
E se esquecer de tudo por
Alguns instantes









Poema trabalho interno


o sonho nunca se esgota
o pensamento na porta
a xícara de chá morna
e o vento fugaz
tudo se desfaz


a areia com olhos vivos
os limites pagãos
a rápida volta às entranhas do mundo
lugares oximoros
Plutão, Nova York, Cazaquistão
estar la e aqui
assistir meu pai, com olhos de minha mãe
subir e descer montanhas
permanecendo ainda inerte


fumar transar andar
e não sentir
correr pular socar
e não existir


pulsões inconscientes
querer o que não quis
dizer o que não se diz
pagar para falar com o demônio
entender Deus Buda e filosofia zen
explorar vísceras e cavernas assombrosas
caminhar entre
o inicio o meio e o fim dos tempos
ser o eu articulista, santo ou querubim



e com uma simples batida na porta
                                  despertar de um inacessível                              
     espetáculo onírico


                                              The Persistence of Memory,  Salvador Dalí
  



Chovia

Acordei com o ruído das gotas de chuva batendo no parapeito da janela.
Eram quatro da tarde quando acordei.
Chovia.
Embora, um maravilhoso facho de luz dourada e serena entrasse pela janela iluminando o quarto todo verde claro e lilás. Ergui a cabeça, e vi, espremido entre a janela e a cortina, o sol de fim de tarde, belo ainda que tímido, escondido por algumas nuvens carregadas. Fechei os olhos, contrariando com esse gesto a vontade que qualquer criatura teria de contemplar aquela estupenda cena, e estiquei com delicadeza minhas mãos até àquela lâmina de luz quente, como se agarrasse algo substancial. Senti um toque suave e uma agradável onda de calor nas mãos, depois... a sensação. Não ousei me mexer. Sentada na cama, Com os olhos semicerrados, na quase escuridão, vinha ate mim o TIC TAC do relógio, o ruído melancólico dos pingos da chuva e o toque da caixa postal.  Embora pouco palpável, aquela comprida luz me dava uma celestial paz. E então.. aquele súbito entendimento que vem devagar, se arrasta, magia diagonal!  o vento sopra no seu ouvido e você se sente fluindo. Os últimos raios do sol sumindo.
Não lembro de mais nada. só lembro que chovia.


terça-feira, 18 de agosto de 2015

Anna Akhmatova - Segunda-feira




Vinte e um. Segunda-feira. É noite!
No escuro contornos da cidade.
Algum vagabundo escreveu que na terra pode haver amor.

E por tédio ou preguiça,

Todos acreditaram e assim vivem:
Esperam encontros, temem adeus
E cantam canções de amor

Mas a outros revela-se o segredo,

E o silêncio repousará sobre eles...
Descobri isto por acaso
E desde esse momento sinto-me mal.


Viagem ao litoral

Tarkovsky Polaroids   Quando a visão é surpreendida Por dois filetes de água Que rasgam as montanhas E a linguagem se t...